No dia 12 de abril de 2012 o STF, por 8 votos contra 2, dispôs que abortar fetos diagnosticados com anencefalia não será mais crime. Triste dia esse, por diversas razões, a primeira das quais a recusa em defender quem não pode defender-se, o homem em seus estágios primitivos de existência.
Dentre as consequências tristes de tal decisão, uma que vale a pena ser destacada é seu impacto sobre os médicos, principalmente sobre aqueles que trabalharem em hospitais públicos, ou naqueles outros que oferecerem o “serviço de aborto de bebês anencéfalos”.
Os médicos que estejam enquadrados no quadro de carreira encarregado da prestação deste serviço, sendo funcionários públicos, estarão impedidos de desobedecerem às ordens superiores, sob pena de serem processados; os de instituição privada, demitidos.
Mas o que interessa aqui destacar não são as consequências jurídicas, por sinal muito graves, as quais ignoro na sua maioria. Interessa destacar a questão moral resultante da contradição inerente a esta decisão.
O Juiz, enquanto tal, manda mais do que o médico. Se a atividade deste está diretamente relacionada à vida humana, a do juiz parametriza esta mesma atividade; o juiz diz o que o médico pode ou não pode fazer. Ora, se o Estado concede que se deva eliminar esta ou aquela vida, alguém terá de fazê-lo. No passado, existia um encarregado deste ofício, o carrasco, cuja função é a de executar a pena capital àqueles designados pelo Estado para sofrê-la. Mas não existe mais este ofício, cuja extinção se deu no século XIX. E o que distingue o carrasco dos demais ofícios humanos é o fato de ele ser não punível por sua prática homicida, uma vez que o faz sob ordem do Estado.
E aí surge uma dificuldade intransponível, no caso do aborto: não existe uma profissão cujo fim seja a extinção da vida humana. A Medicina tem por fim a geração de saúde. Nenhuma formação a ela subordinada (enfermagem, fisioterapia, etc.) escapa deste fim, que lhe dá razão de existência. Mas o mesmo se pode dizer das demais profissões: a Engenharia, a Psicologia, o Direito, etc., ou qualquer outra profissão não tem por fim o homicídio, sob qualquer de suas formalidades (aborto, eutanásia, matricídio, parricídio, fratricídio, homicídio...). A verdade é que não existe formação superior cuja finalidade seja preparar estudantes para praticar homicídio.
Sendo assim, se um médico pratica tal ação, ele não o faz enquanto médico, o mesmo valendo para toda e qualquer outra profissão. Quem quer que pratique a ação de abortar, o faz como homicida ou como carrasco. Ambos são homicidas, este último não punível porque o faz a mando do Estado. E digo tais coisas enfocando-a exclusivamente sob seu aspecto técnico.
A contradição posta pela decisão do STF é insuplantável: se a gestante possui o direito de ver atendido seu desejo de abortar (ou de “interromper a gravidez”, eufemismo preferido pelos juízes que reconheceram tal direito), isso significa que há de haver algum sujeito investido do correspondente dever de praticá-lo. Porque não existe direito sem dever, assim como na Contabilidade não existe débito sem crédito.
Assim, não em termos de Direito, mas em termos de fato, ressuscita-se o ofício de carrasco. Em termos de fato, insisto, pois continua inexistindo, legalmente, a figura do carrasco.
Ora, do mesmo modo que o que condena o homem à perdição não é o que ele pensa, mas o que ele faz (pois no ato de fazer o homem afirma seu amor ou ódio a Deus e às suas Leis), não importa que se denomine “interrupção da gravidez” o aborto; nem adianta dizer que se a criança viverá pouco, e por isso ela não cai sob a proteção do Estado (que só protege alguém com potencial à vida), etc.. A mãe sabe que o ela gesta é um outro ser humano, é seu filho(a); o mesmo sabe o médico. Ambos sabem, portanto, que o que um mandou e outro executou é uma afronta direta ao 5º. mandamento. As consequências psicológicas para a mãe, assim como para o médico, são indiscutivelmente terríveis e, não raro, eliciadoras de vícios.
Creio que os de vocação à certas áreas da Medicina passaram a ter um enorme peso sobre os ombros, formalmente colocado pelo Estado. Porque se atendem ao Estado, ofendem a Deus; se atendem a Deus, ofendem ao Estado, conforme ensinou Jesus: “Nenhum servo pode servir a dois senhores: ou há de odiar a um e amar o outro, ou há de aderir a um e desprezar o outro.” (Luc 6, 13).
Joel Nunes dos Santos, em 13 de abril de 2012.
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