Idolatria é a quebra do primeiro e mais superior de todos os mandamentos, “Amar a Deus sobre todas as coisas”; é amar a criatura ao invés do criador.
Por incrível que pareça, esta inversão de prioridade do amor a Deus pelo amor à criatura costuma acontecer justamente em casos nos quais a vocação da pessoa possui contornos altamente definidos, com pessoa “muito inteligente”, se é que se pode chamar de inteligente alguém que troca Deus por seja lá o que for. Tal pessoa “mergulha” e se concentra tanto no objeto (ou assunto) de sua vocação natural que o brilho do que vê a torna cega para Deus e, em vez de adorá-Lo como se deve, se envaidece com a própria inteligência, a qual passa adorar e incensar indevidamente.
É possível enxergar a razão psicológica do fenômeno. Deus criou as coisas baseado na mesma estrutura que adotou na criação da inteligência do homem, de tal modo que o que for impossível de ser pensado também é impossível de existir. Este fato é deveras surpreendente e não espanta que uma ou outra pessoa, ao percebê-lo, se enche de soberba e põe a alma em risco.
Na biografia de pessoa “inteligente” que sucumbiu à vaidade e à idolatria, a história costuma ser muito parecida: confrontada com o problema da morte e da existência do mal, essa “inteligente” pessoa, por alguma razão, fica chateada com Deus porque ora lhes tira algo precioso (permitindo que alguma pessoa amada morra) ou não lhe permite evitar algum sofrimento sério (quando Deus permite que pessoas malignas fiquem em vantagem sobre ela, seus parentes, seus amigos, alguém de sua raça e assim por diante). A tal “inteligente” pessoa fica sem compreender por que Deus permite tais coisas e então cria suas próprias explicações sobre o que aconteceu, revestindo-as com aparência de sabedoria, de ciência, de arte ou mesmo de elevada compreensão da (alheia) alma humana. Para reforçar a vaidade de tal pessoa, soma-se a admiração de seus incontáveis seguidores, certamente encantados com o brilho de sua inteligência, brilho que nada mais é que “ouro de tolo”.
Dentro e fora da Igreja somos cercados de pessoas deste tipo, cujo primeiro e eloquente exemplo Jesus nos deixou na pessoa de Judas Iscariotes, que devia parecer a muitos pessoa “realista, com os pés no chão, que não obstante expulsar demônios como os demais apóstolos, pronunciava discursos “realistas”, cheios de “pertinentes” considerações político-econômicas. Que dizer também do “realista” Pilatos, que “enxergava” muito bem o contexto político da época, o seu tipo de encaixe na esfera de poder romano, e que por tamanha compreensão dos assuntos da lide política, decidiu lavar as mãos baseado em fortíssimas “razões de estado”? Cara-a-cara com a Verdade, perguntou “O que é a verdade”, e nem se deu ao trabalho de ouvir a resposta ou mesmo deter-se nEla, de pé na sua frente. A lista é infindável, preenchível com exemplos tanto do passado quanto do presente, seus representantes possuindo sempre um denominador comum: acreditam-se mais sábios, fortes e realistas que o próprio Deus ou daqueles que legitimamente falam em nome de Deus, por exemplo, o Santo Padre o Papa e os bispos em comunhão com ele.
Para este tipo de pessoa – e para nós também, é claro – vale o exemplo de São João que, na ilha de Patmos, quase se ajoelhou para o anjo que lhe vinha transmitir as palavras de Jesus, seu gesto sendo interrompido quando o mesmo anjo lhe explicou que deveria adorar somente ao Cordeiro de Deus, que é o próprio Deus. Também pudera: o brilho do ser do anjo deve ser realmente coisa ofuscante, tanto quanto é ofuscante a percepção dos vestígios e sinais de Si mesmo que Deus colocou nas criaturas e na alma do homem. Quem não é capaz de admirar-se com a enormidade dos sinais que Deus colocou de Si mesmo no universo? Só para citar um, o sinal da sua onipotência, que se percebe dentre outras coisas pela desproporção manifesta entre o tamanho e a importância das coisas criadas: se o homem, comparado com o tamanho da terra, é menos que um grão de areia, quanto mais comparado com o sol. E que dizer do sol, quando comparado com estrelas de primeira grandeza, como Betelgeuse ou Aldebaran, cujos tamanhos fazem dele menor que um grão de areia? No entanto, Deus não se fez nem estrela e muito menos anjo (cujo menor deles é infinitamente maior que todas as maiores estrelas somadas), mas homem, dando a ver que sua onipotência é inimaginavelmente grande e impressionante até mesmo para o intelecto angélico. Imagine-se a surpresa dos anjos quando Deus lhes revelou o mistério de Sua encarnação! Quando lhes revelou o mistério de Maria, co-redentora do gênero humano! Quando por todas essas ações puderam perceber a humildade do próprio Deus ao fazer-se homem e, em resultado, Filho de Maria! Tudo isso e outras coisas que a inteligência humana é capaz de criar alguma representação é impressionante para quem possua vocação filosófica, científica, artística ou altruística ou qualquer combinação que haja entre elas. Razão porque alguns, cegados por tais construções ou percepções do intelecto, envaidecem e idolatram a criatura ao invés de adorar e amar a Deus, que vive e reina pelos séculos dos séculos!
O antídoto para tal queda no pecado contra o primeiro e maior de todos os mandamentos, o de “amar a Deus sobre todas as coisas” é a sincera repetição das palavras de São Tomás de Aquino a Jesus, quando Este lhe disse “Você, Tomás, fala bem de mim. O que você quer?”, e o santo respondeu: “Quero a Ti, Senhor”. “Quero a Ti”, o mesmo Cristo que tomamos a cada Santa Missa, preparado pelas mãos consagradas do sacerdote, por quem devemos rezar para que nunca se deixe encher de vaidade por causa do privilégio o encarregado por Cristo fazer de algo que nem Sua própria Mãe ou os anjos podem, consagrar o pão e o vinho e por este meio nos entrega-Lo, a única coisa realmente necessária e capaz de nos defender contra o risco da idolatria.
Joel Nunes dos Santos, 31 de março de 2011.
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