domingo, 20 de março de 2011

Vocação e Distração

A atividade vocacionada proporciona suficiente tranquilidade psicológica para que a pessoa, caso queira, consiga ocupar sua mente com assuntos elevados. A não-vocacionada, ao contrário, atrapalha e muito a liberdade do espírito, perturba a alma e gera intranqüilidade que consome forças da alma que poderiam ser dirigidas à sua elevação.

Isto é assim porque a tranqüilidade da alma é o reflexo da felicidade e alegria no viver, cuja intensidade na vida natural é tanto maior quanto mais a vida esteja organizada à volta da vocação e menor caso dela se afaste. A vida organizada ao arrepio da vocação pessoal provoca dispersão da atenção, o que é a definição mesma de distração.

A vocação tem como um de seus componentes a afetividade, que funciona como uma espécie de GPS apontado sempre para o seu objeto ou assunto que conatural: o desejo de explicar e compreender nas vocações filosófics; o de encontrar soluções práticas para as dificuldades; o de criar uma obra pessoal nas artísticas; o de tratar como próprias preocupações alheias. Encontrando este conteúdo satisfatório, a pessoa fica inteira no que faz, concentrada; caso contrário, fica dividida, agindo corporalmente mas com a atenção distraída, vagando sabe-se lá onde. A pessoa, atendendo ao que lhe é vocacional, pode permanecer inteira, satisfeita, feliz, concentrada; não atendendo, dá-se justamente o oposto, a distração, o vagar ocioso da mente.

A régua que mede a felicidade na vida cotidiana é a vocação, o que se pode notar ao verificar que entre as pessoas ricas ou pobres, com muita ou pouca saúde, felizes são aquelas envolvidas com atividades vocacionadas. E isto é algo que parece poder ser deduzido das palavras de Jesus “Buscai antes o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo.” (Luc. 12, 31), palavras que orientam a vida sobrenatural e se aplicam muito bem à vida natural, uma vez que “justiça” significa dar a cada um o que é seu direito, a César o que é de César, a Deus o que é de Deus. Ora, a vocação tem suas exigências às quais devem corresponder o dever de a pessoa atendê-las, deste modo agindo de maneira sensata para consigo mesmo e de maneira justa para com o próximo, pois em última instância, a vocação é dom de Deus para servir ao próximo.

Uma gama enorme de dificuldades psicológicas, inseguranças, instabilidades emocionais e coisas semelhantes resolvem-se ao identificar que assunto conveniente à vocação da pessoa está ausente de sua vida. Caso a pessoa não preencha este vazio, arrisca “misturar as estações”, metendo-se com o que não é de sua conta, ficando dependente por anos a fio de terceiros tão ou mais cegos do que ela. O que já vinha acontecendo com certa pessoa que me ligou, depois de não nos vermos havia anos, pedindo que o ajudasse. Disse-me por telefone: “Joel, preciso de sua ajuda, talvez por uns oito meses.” Aceitei ajudá-lo – ele mora no RJ e eu em SP - mas pedi que me contasse do que se tratava. “Faz uns dois anos, faço terapia e chegamos à conclusão, a terapeuta e eu, que vivo me sabotando. Por exemplo, todas as minhas obrigações, resolvo-as no último instante, quase no momento em que não será mais possível fazê-lo. Se tenho de ir ao Cartório dar entrada em algum documento, ou para atender exigência legal imprescritível, arrisco falhar porque vou lá quase na hora de fechar e no último dia do prazo legal. E assim faço com todas as coisas, sejam elas profissionais ou pessoais.”

Em sua vocação há um fortíssimo componente artístico, de arte que exige esforço muscular e situações de elevado impacto nervoso. Por anos foi corredor de rallie automobilístico, onde se usam carros “turbinados” e o risco de acidente fatal é uma constante. Inteligentíssimo, enteado de advogado rico, decidiu que também enriqueceria. Para tanto, resolveu fazer Direito e antes ainda de se formar, conduziu (ainda que sem poder assinar) defesas de causas de pessoas e empresas abastadas, o que lhe permitiu ganhar dinheiro suficiente para, antes dos 30 anos, não mais precisar trabalhar. Tão envolvido ficou com a decisão de enriquecer, o que conseguiu, que excluiu de sua vida qualquer prática desportiva. Ora, é pessoa de constituição atlética e até antes de instalar-se como advogado bem sucedido, praticava algum tipo de esporte, atendendo pelo menos o mínimo que sua vocação exigia. Não a atendendo por via direta, praticando alguma atividade atlética de alta tensão, atendia-a (e mal) por via indireta, transformando sua vida cotidiana num mar de tensões psicológicas inúteis, dispersivas, que complicavam as coisas simples do dia-a-dia. Coisas que a média das pessoas resolvia sem qualquer tensão, eram por ele transformadas em situações quase catastróficas.

Tão logo compreendeu a importância do esforço muscular e da tensão nervosa em sua vida, decidiu praticar, como hobbie, modalidade esportiva de seu gosto que atendiaa tais exigências. Os oito meses que julgava necessário para “aprofundar suas questões psicológicas e ajudá-lo” reduziram-se a quarenta e cinco minutos de conversa por telefone.

Não será por razão semelhante que vemos na Igreja “católicos” atacando-a de dentro e de fora? Quantas páginas ofensivas são escritas para criticar a Igreja, o Concílio, a Santa Missa; quanta liberdade um ou outro sacerdote se dá para “enriquecer” a celebração da Santa Missa, etc. Não estarão tais pessoas procurando atender a exigências vocacionais pessoais não atendidas de maneira sensata em suas vidas cotidianas? Tais pessoas dão a ver, com muita força, que não conseguem se concentrar o suficiente a ponto de perceberem que se estão na Igreja, que é o céu na terra, o mínimo que deveriam fazer é cuidar do que depende exclusivamente delas: atender à própria vocação, com isso evitando sobrecarregar os demais com coisas inúteis e que nada mais fazem que provocarem distração. Assim fazendo, deixarão o péssimo hábito de agirem como quem sabe mais do que o Santo Padre o Papa.

Joel Nunes dos Santos, 19 de março de 2011.

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