Por Hermes Rodrigues Nery
O nome não podia ser mais sugestivo: Salão dos Passos Perdidos.
“Tenebroso”, comentei com José Roberto, que me acompanhou no início da
tarde de 24 de fevereiro, até o local aonde começaram a aglomerar
pessoas para a audiência pública que iria debater o anteprojeto da
reforma do Código Penal, que o relator ministro Gilson Dipp entregará ao
Senado Federal, em 31 de maio próximo. Sentamos na 6ª fileira e ficamos
aguardando. Aos poucos, o imponente salão foi se enchendo de advogados,
estudantes, profissionais liberais, funcionários públicos, professores,
magistrados, autoridades públicas, etc. E as feministas, muitas delas,
por toda a parte, contentes com a recente nomeação da ministra Elionora
Menicucci. Próximo de nós, sentaram-se alguns poucos pró-vidas, grupo
minoritário que teria de se posicionar em meio às feras dilmistas: Dr.
Hugo Barroso Uelze, de São Paulo; Adelice Godoy, de Campinas; Lorena
Leandro, de Santos e Cel. Jairo Paes de Lira. E também Maria Célia Silva
de Oliveira, Diogo Waki, Fernando Tossunian e Marcos Gregório Borges.
De 100 inscritos, apenas 5 se posicionaram em defesa da vida.
Todos os que se pronunciaram – a esmagadora maioria dos presentes –
estavam afinados com o discurso abortista. Foi um massacre, uma
avalanche implacável. Todos os argumentos abortistas foram discorridos.
Cada inscrito tinha teoricamente 3 minutos para expor seu pensamento.
Como a imensa maioria era de representantes de OnGs abortistas, cada uma
delas (porque eram sempre as feministas que faziam uso da palavra)
falavam três, quatro, cinco, e até dez minutos cada, beneficiadas pela
generosidade da mesa condutora da audiência pública. Uma a uma foram
avançando, cada vez mais com ousadia. E o tema do aborto prevaleceu.
Mais do que uma impressão, foi uma constatação: a audiência não foi para
debater os tantos tópicos da reforma do Código Penal, mas para reunir
todas as OnGs abortistas do País, todas juntas num único momento, para
em voz uníssona, dizer ao relator do anteprojeto, que elas representavam
a sociedade brasileira e queriam a legalização do aborto já.
Depois de 2 horas e meia de eufóricos e inflamados discursos
pró-aborto, alguns deles em tom bem agressivo: “Ninguém vai nos impor a
maternidade, somos donas do nosso próprio corpo!” E os magistrados
presentes corroboravam: “O nosso Código Penal tem que acompanhar os
avanços da sociedade!” Em seus impecáveis ternos e cabeleiras brancas,
se sentiam gratificados com os aplausos efusivos das feministas. Eram
homens bem-sucedidos, bem alinhados com a ideologia dos atuais donos do
poder, muitos deles prestadores de serviços e até comissionados na
administração pública. E não foram poucos a lembrar que estamos no
século 21, e a lei deve acompanhar a modernização dos tempos.
A audiência pública foi uma overdose de apologia ao aborto como
direito da mulher. A cada fala de uma delas, ouvia-se ressoar por todo o
salão: “bravo! bravo!, viva!”, como num espetáculo de ópera. Uma após
outra foi discorrendo: “Queremos que substituam o termo ‘gestante’ por
mulher”, pois a hora e a vez agora é da mulher, da sua total
emancipação”. E mais vivas ecoavam pelo plenário.
“… a libertação da mulher é o núcleo de toda atividade de libertação.
Aqui se ultrapassou, por assim dizer, a teologia da libertação política
com uma antropológica. Não se pensa apenas na libertação dos vínculos
próprios ao papel da mulher, mas na libertação da condição biológica do
ser humano”.1
A cada instante, ficava cada vez mais evidente a exiguidade de espaço
para a afirmação da cultura da vida. Foi quando então, depois de muitas
intervenções, o relator proferiu o meu nome, dando-me o uso da palavra.
Afinal, eu estava inscrito e ele mesmo dissera no começo da audiência
pública, que todos os que se inscreveram teria o direito de se
pronunciar, no tempo de 3 minutos.
Assim que peguei o microfone, disse aos presentes de que depois de
tantas exposições, enfim, teria de apresentar um posicionamento
divergente. Ao que veio a primeira vaia. “Mas, graças a Deus, estamos
numa democracia! Não é assim sr. ministro?”, pois ouvimos todos eles,
fiz o apelo para que respeitassem a nossa posição, em nome daquilo que
eles tanto dizem apreciar: a liberdade de expressão. Feito o pequeno
preâmbulo e novamente em silêncio o plenário, tirei do meu paletó um
bebê de 10 semanas, de gesso, e o ergui para a visão de todos ali
presentes, indagando: “Quem defenderá o indefeso?
Emergiu então por todo o salão uma imensa vaia, algumas feministas,
em estado de histeria, pediam: “Abaixo o feto!”, e houve um início de
tumulto porque elas queriam nos impedir de entregar o bebê de 10 semanas
ao relator do anteprojeto do Código Penal. Quando entreguei o feto nas
mãos dele, prossegui: “Gostaria que Vossa Excelência visse o rosto dele,
como já com 10 semanas o bebê já tem um rosto, uma identidade. Já é um
ser humano.” E reforcei dizendo: “A vida deve ser protegida, amada e
valorizada desde o seu início, na concepção, para que a proteção da vida
seja de modo integral, para o bem de toda pessoa humana!” E destaquei
com ênfase: “O direito a vida é o primeiro e o principal de todos os
direitos humanos”, pois “colocar o direito ao aborto no catálogo dos
direitos humanos seria contradizer o direito natural à vida, que ocupa
um dos postos mais importantes em tal catálogo e é um dos direitos
fundamentais”.2 Ressaltei a constatação científica do início da vida
humana com a concepção e a ardilosidade do ministro do Supremo Tribunal
Federal, Carlos Ayres Brito, em ter recorrido ao argumento jurídico da
teoria natalista (ancorado no positivismo de Hans Kelsen) para
justificar a proteção do ser humano somente depois do seu nascimento,
por causa do mutismo consticuional sobre o “desde quando” a vida deve
ser amparada. Meu pronunciamento portanto foi a de ser voz aos que não
tem voz nem vez, aos que hoje estão sendo inteiramente desprezados e
vítimas da pior de todas as violências, por aqueles que deveriam ser os
primeiros a tutelá-los. E então, lembrei ao senador Eduardo Suplicy, que
estava sentado próximo ao senador Aloysio Nunes, dizendo que no México,
18 estados daquele País incluiram o direito a vida desde a concepção em
suas constituições estaduais, cujas iniciativas foram validadas pela
Suprema Corte mexicana. “Estamos trabalhando para fazer o mesmo na
Constituição do Estado de São Paulo”.
Não foi possível então continuar a minha fala, porque esgotaram-se os três minutos exatos concedidos, enquanto que outras feministas tiveram tempo muito maior para repetir à exaustão de que é preciso descriminalizar o aborto, não aceitando de modo algum o dado científico do início da vida humana com a fecundação, muito menos ainda qualquer recorrência de justificativa religiosa. “Chega de Deus!”, vociferou uma delas, com os punhos erguidos e olhos esbugalhantes.
Por mais de uma hora após a minha fala, outras líderes feministas
vieram como rolo compressor para defender o direito ao aborto, o direito
da mulher assassinar as crianças em seu ventre, no afã desmesurado pela
nova matança dos inocentes. O ambiente ficou cada vez mais carregado de
olhares raivosos e sentimentos hostis à defesa da vida, quando
finalmente uma mulher pró-vida pode se manifestar. De modo sereno e
seguro, Lorena Leandro expos as conseqüências danosas do aborto para a
mulher, enquanto iradas, as feministas vaiavam com mais força. Também
foram nos poucos três minutos.
Para ela, o que houve naquele Salão dos Passos Perdidos, foi “o
triste espetáculo da velha ladainha sobre liberdade feminina. Não que as
feministas não possam se superar. Houve indignação porque a mulher
grávida é chamada de gestante. Uma mulher, com aparência claramente
indígena, incluía-se no grupo ‘pobres e negras’ e reclamava do
preconceito. Teve mulher estrangeira dando pitaco na legislação. Houve
proposta de criminalizar o preconceito contra as mulheres que abortam
(trocando em miúdos: coloquem quem for contra o aborto na prisão). Teve
até defesa do infanticídio, e tudo isso temperado pela tão famigerada
comparação: se não podemos abortar, então não comamos ovo, que estamos a
matar o filho da galinha!” De fato, “ovo não é galinha”, foi o que
gritou uma das feministas para justiticar que o embrião humano nada mais
é que um amontoado de células. Dulce Xavier, a representante das
“Católicas pelo Direito de Decidir” estava sorridente e também foi muito
aplaudida, bem como outras líderes que se disseram católicas e
defensoras dos direitos das lésbicas, da total autonomia das mulheres,
“para que ninguém mais tenha que dizer a elas o que devem fazer”.
Mais duas vozes pró-vida se manifestaram: o Cel. Jairo Paes de Lira,
ex-deputado-federal, também vaiado pelas feministas, mas que se manteve
firme em sua posição. E também se pronunciou com ardor pró-vida, o
advogado, Dr. Hugo Barroso Uelze, afirmando que “o anteprojeto do Código
Penal é inconstitucional no que diz respeito ao aborto, porque a
inviolabilidade do direito à vida é um conceito magno [art. 5º, caput e §
2º c./c. art. 60, § 4º, inciso IV da Constituição Federal (CF)] e que,
por isso, não pode ser reduzido pelas definições legais – e, dentre
elas, aquelas constantes do Código Penal ou de seu respectivo
anteprojeto”. Enfim, tivemos outra voz feminina pró-vida: Adelice Godoy,
de Campinas, que ainda em tempo destacou que a maioria do povo
brasileiro é pela vida e contra o aborto. Houve um jovem advogado que
chegou a tentar discorrer uma defesa da dignidade do embrião humano a
partir do pensamento de Aristóteles, enquanto as feministas riam dele,
mesmo assim ele conseguiu desenvolver seu raciocínio, mas assim que
acabou sua fala, foi abraçado por uma delas que lhe disse: “Vem cá meu
menino, preciso lhe ensinar algumas coisas!” E o levou até Dulce Xavier,
e o rapaz ficou lá por algum tempo rodeado por elas, que certamente lhe
disseram que ele estava equivocado naquela linha linha de raciocínio, e
que se ele quisesse ter sucesso na sua carreira, teria logo que mudar o
discurso e assumir a bandeira libertária.
A questão do aborto é ponta do iceberg. A estratégia de despenalizar o
aborto em casos de anencefalia, é apenas o primeiro passo, para depois,
num movimento crescente, chegar a sua completa legalização, até o 9º
mês. Numa hora como esta, como cristãos, não podemos nos omitir nem nos
calar. É sinal de bem-aventurança defender a causa do Reino até mesmo
nos tribunais, diante dos poderosos. “O cristianismo ofecerá, de um modo
novo, modelos de vida e apresentar-se-à outra vez, na desolação da
existência técnica, como um lugar de uma verdadeira humanidade”.3 A
história comprova que “é exigente o ideal cristão e, ao mesmo tempo,
demonstra de maneira concreta e convincente que tal ideal não pode ser
alcançado sem autêntico heroismo”.4 Ao sair da audiência pública
lembrei-me de que “Herodes foi ardiloso”5 em sua decisão de massacrar
“todas as crianças”.6 E que os primeiríssimos perseguidos foram os
inocentes, como hoje são martirizados os fecundados e não nascidos, na
tortura e crueldade mais atroz, no holocausto silencioso, a vitimar
milhares de seres humanos, em todo o mundo. Por isso, por saber a quem
defendemos e o que defendemos, continuaremos a militar em favor da vida,
sendo voz dos que não tem voz nem vez, dos que estão impedidos do
direito à vida, o primeiro e principal de todos os direitos humanos,
motivado portanto por quem nos une e nos dá força: “para que todos
tenham vida e a tenham em abundância!” (Jo 10, 10).
Hermes Rodrigues Nery é coordenador da Comissão Diocesana em
Defesa da Vida e Movimento Legislação e Vida, da Diocese de Taubaté.
Especialista em Bioética, pós-graduado pela PUC-RJ.
Notas:
1. Joseph Ratzinger, O Sal da terra – O Cristianismo e a Igreja Católica no limiar do terceiro milênio, p. 108, Ed. Imago, 1997.
2. Alicja Grzeskowiak, Direito ao Aborto, no Lexicon – termos ambiguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas, do Pontifício Conselho para a Família, p. 201; Edições CNBB, 2007.
3. Joseph Ratzinger, O Sal da terra – O Cristianismo e a Igreja Católica no limiar do terceiro milênio, pp. 103-104, Ed. Imago, 1997.
4. Stefano de Fiores e Tullo Goffi, Dicionário de Espiritualidade, Heroismo, Paulus, 2ª edição, 1993, p. 476.
5. Anna Catharina Emmerich, Santíssima Virgem Maria, Mir Editora, 2ª edição, 2004, São Paulo, p. 337.
6. Ibidem.
2. Alicja Grzeskowiak, Direito ao Aborto, no Lexicon – termos ambiguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas, do Pontifício Conselho para a Família, p. 201; Edições CNBB, 2007.
3. Joseph Ratzinger, O Sal da terra – O Cristianismo e a Igreja Católica no limiar do terceiro milênio, pp. 103-104, Ed. Imago, 1997.
4. Stefano de Fiores e Tullo Goffi, Dicionário de Espiritualidade, Heroismo, Paulus, 2ª edição, 1993, p. 476.
5. Anna Catharina Emmerich, Santíssima Virgem Maria, Mir Editora, 2ª edição, 2004, São Paulo, p. 337.
6. Ibidem.
Esta audiência me lembrou aquela audiência em que Jesus foi condenado. Do povo presente, os poucos que conseguiram estar lá para defender Jesus mal foram ouvidos devido à turba que gritava:"crucifica-o". Esta cena se repetiu ao condenarem os nascituros à morte. Vamos continuar a rezar ao Nosso Pai Deus para afastar esta maldição.
ResponderExcluirObrigada aos que estiveram lá defendendo a vida.