Resumo do argumento: A família é necessária para que a vocação não desvie. Melhor que a família exemplar seja a natural. Caso não, que haja uma família espiritual, verdade que parece estar contida no que a Santa Flor escreveu: “Com uma índole como a minha, se fosse criada por pais carentes de virtude, ou até se fosse como Celina mimada por Luísa [empregada da família], ter-me-ia tornado bem maldosa e talvez me tivesse perdido.”
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Há alguns anos um inspirado padre, durante a homilia, lançou luz sobre o mistério da vocação dos santos: Deus os suscita como uma espécie de solução prévia a problemas que os homens enfrentarão. Quando a Igreja oferece um santo à devoção do fiel, está ipso facto mosrando solução a problemas e dificuldades que vão se avolumando e dificultando a vida dos que aspiram entregar-se a Deus, o que é o desejo natural e espontâneo de todo homem. Os santos são a demonstração do antídoto para as graves dificuldades que envolverão a vida das pessoas que nascerão e viverão no futuro.
Um exemplo desta antecipação em época recente é o Santo Padre Pio. Nasceu quase quatrocentos anos depois de Lutero, o criador do ateismo moderno, o mais terrível de todos por se tratar de ateismo pós-cristão. Quando a última “pérola” do ateismo se manifestou com a negação da existência do demônio, surge entre os homens o padre estigmatizado, o Padre Pio, cuja luta (talvez um dos principais aspectos de sua santidade) foi o enfrentamento do demônio dentro da própria Igreja. A santidade deste santo parece ser a demonstração da solução de problemas que por certo acompanharão os homens deste século que há pouco iniciou; problemas esses resultantes em grande parte do espírito de soberba que, ao negar Deus em primeiro lugar, em segundo nega a existência do demônio e os homens passam a acreditar que eles, e somente eles, são a própria solução dos problemas que vivenciam. Esta soberba condição se reflete nas crenças espontâneas que vão ganhando força entre os povos contemporâneos. Todo mundo atualmente parece acreditar que cuidarão bem do futuro do homem cuidando da natureza, isto é, adorando-a como faziam os pagãos pré-cristãos. Esquecem aí do que ensina a Igreja e, antes dela, Moisés, que o homem não piora ou melhora por causa de a natureza estar assim ou assado mas, ao contrário, a natureza fica assim ou assado quando o homem melhora ou piora. Portanto, a natureza vai melhor conforme o homem se torne criatura verdadeiramente moral, mais temente a Deus.
Não falha a esta regra de antecipação de solução a problemas atuais e vindouros a santidade de Santa Teresinha do Menino Jesus. Não somente sua vida como um todo o exemplifica mas, também, o que ela nos ensina em seu escrito autobiográfico. Vale citar uma dessas passagens e refletir sobre seu significado, ainda que somente pela perspectiva da vocação natural. Diz esta santa flor em seu escrito (p.39):
“Com uma índole como a minha, se fosse criada por pais carentes de virtude, ou até se fosse como Celina mimada por Luísa [empregada da família], ter-me-ia tornado bem maldosa e talvez me tivesse perdido... Mas Jesus olhava pela sua noivinha. Quis que tudo redundasse para o bem dela. Deus próprios defeitos, refreados a tempo, serviram-lhe para crescer na perfeição... Tendo amor-próprio e também amor do bem, tão logo comecei a pensar seriamente (o que fiz desde pequenina) bastava dizerem-me que alguma coisa não ficava bem, para que não precisasse ouvi-lo dizer duas vezes...(...) Não tendo em redor de mim senão bons exemplos, era natural que os quisesse seguir.”
Não está aí nesta passagem a matéria mesma que, quase cem anos depois, o Santo Padre o Papa Bento XVI reafirma, “Reconheçamos sempre que são as famílias o lugar onde nascem as vocações”?
“Se fosse criada por pais carentes de virtude...”, escreveu a santa. Não é que a vocação (no seu caso, artística) desapareceria, mas a ela seria dada uma outra direção, diferente daquela que adotou por causa do exemplo dos pais. Vale dizer que o criminoso, em sua prática delituosa, imprime-lhe a marca de sua vocação. Por exemplo, uma garota a quem orientei sobre sua vocação disse ter três irmãos, dois dos quais já falecidos depois de cumprirem 20 anos de prisão. Se eles fossem de família e ambiente social mais saudável, poderiam aspirar serem engenheiros. Como não era este o caso, trilharam o caminho do erro e se tornaram exímios arrombadores de casas e cofres, prática que exige vocação natural compatível com o exercício da engenharia o outros ofícios lógico-mecânicos. Em seu escrito, a santa já antecipa esta conquista do conhecimento psicológico relativo á vocação, tendo como testemunho exclusivamente a sua própria vida com suas vicissitudes, dando a ver que nela a luz da graça exaltava a virtude de sua vocação natural, tornando-a verdadeiramente sábia.
Santa Teresinha é anterior à época em que se tornaria comum criança carente principalmente de pai – porque dificilmente a mãe abandona o próprio filho. Se a Providência de Deus a fez “perder” a mãe natural, depois as “mães de escolha” (suas irmãs mais velhas, que iam sendo para seu coração de criança substitutas da mãe que perdera), e depois o pai, ao mesmo bom Deus aprouve sempre permitir-lhe re-haver uma família, não mais resultante da carne e do sangue, mas do espírito, quando se torna a Irmã Teresa.
Sua vida reafirma, mostrando pelos seus dramas e soluções, a inextricável relação entre vocação e família, antecipando o que mais tarde se tornaria uma das obras do agora Beato Papa João Paulo II: a criação da primeira Prelazia Pessoal da história da Igreja, onde os que nela ingressam, na verdade, ingressam numa família. E é tão forte o carisma desta família, que ela é odiada a mais não poder pelos que compartilham do espírito deste mundo, uma vez que hoje em dia vai-se tornando comum não ter pai ou mãe ou mesmo ambos. Esta prelazia é apta a fazer com que cresça na sociedade, ainda que anonimamente, o espírito familiar capaz de dar a tantos jovens, de ambos os sexos, os meios necessários e indispensáveis para o bom e reto ordenamento de suas vidas, com conseqüente bom direcionamento de suas vocações.
Vale muito a pena refletir sobre o que esta santa afirma e explica em seu escrito autobiográfico, onde a força da vocação artística acompanha-se de tão elevada penetração psicológica que é difícil conceber como alguém, em tão pouca idade, pudesse antecipar saber que exige cem ou mais anos para se tornar evidente. Hoje presenciamos as conseqüências do que seja não possuir família: o aumento brutal da criminalidade, a ausência quase completa do senso de pudor em todas as esferas da vida. Faltam alguns poucos anos (uma ou duas décadas talvez) para se verificar que lamentáveis seres humanos podem surgir de “famílias” não mais formadas por homem e mulher. Já possuímos, no escrito desta santa, elementos de sobra para compreender este assunto e, nele aprofundando, podermos de alguma maneira eventualmente contribuir para a eliminação de certas causas desviantes da vocação, a principal delas a destruição da noção de família.
Vale dizer que, de todas as vocações, a artística é a que mais necessita de bons exemplos, materialmente falando. Não que as demais não necessitem. Mas a pessoa a ela vocacionada manifesta, a cada passo de sua vida, estar imitando o que vê, como é próprio da arte fazer. E talvez por isso Deus tenha nos dado um exemplo tão forte da relação entre a vocação e família por meio desta santa, para ficar evidente e acima de qualquer dúvida a importância da defesa do direito natural de toda criança ter uma família constituída por pai e mãe. O que naturalmente conduz à oposição permanente e sistemática contra as chamadas “uniões homoafetivas”, como se, por ser homo-afetivo, tenha-se que ter sexo como componente. Pois eu, que sou pai, não amo a meu filho? E se amo a meu filho, que é homem como eu, não tenho com ele uma união “homoafetiva”, uma vez que “homo” significa “o mesmo”? Ora, união “homoafetiva” não dá e nunca deu a ninguém o direito ou mesmo a liberdade de se pensar em sexo. Somente indivíduos a quem falta a noção de família, porque nunca a teve ou se a teve, rejeitou-a, consegue distorcer com tanta força o que sempre e em toda a história foi vivenciado e compreendido como condição necessária para o desenvolvimento saudável da personalidade humana.
A fecundidade do exemplo de vida de Santa Teresinha é apta, por certo, a fazer surgir nos espíritos vocacionados à reflexão sobre o homem e sua vida cotidiana, qual o melhor caminho a seguir e quais cuidados tomar para bem educar aqueles por quem somos responsáveis. E, pelo exemplo, a outros ensinar esta mesma sabedoria.
Joel Nunes dos Santos, em 25 de junho de 2011.
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