É da máxima importância identificar qual seja a própria vocação, que é como o próprio rosto. Assim como nós mesmos não vemos nosso próprio rosto, mas somente quando ele é refletido por algum espelho, do mesmo modo enxergamos qual seja a própria vocação pelos efeitos que ela provoca no mundo à volta. Como uma espécie de treinamento, do mesmo modo que a prática do amor ao próximo habitua o coração ao amor a Deus, deve-se habituar a perceber tais efeitos em terceiros.
Certa vez, conversando com um jovem lá pelos seus 17 anos, perguntei-lhe de qual parente ele gosta. “De praticamente todos. Mas a minha avé tem um destaque especial.” “O que ela faz?”, perguntei.
- “Ela não faz nada, não. Ela é dona-de-casa e só fica em casa, e quase não sai.”
- “Sua avó não sai de casa e não faz nada. Então, ela fica lá no meio da sala, ou no quintal, parada, imóvel como uma planta?”
- “Não, ela não costuma sair muito de casa pra passear, se divertir. Mas não fica como uma planta, não. Ela faz coisas em casa.”
- “E o que ela faz?”
- “Ela lava roupa, varre a casa, fica contente quando a gente vai lá, eu, meus primos, meus tios e tias...”.
- “Quando vocês vão lá ela fica conversando com vocês?”
- “Conversa um pouco. Conversa mais com quem vai pra cozinha e fica lá com ela. Ela gosta de cozinhar. Faz um monte de coisas: salgados, doces...”.
- “E o que ela faz é gostoso?”
- “É muito gostoso!”
- “Além de gostoso é bonito?”
- “Ah! É bonito. Parece comida enfeitada. Quando ela coloca a comida na mesa, depois os doces, a mesa fica colorida. O frango na panela é bonito, o arroz que ela salpica com umas coisas verdes que não sei o que é, o feijão... É! Agora que notei que acho a comida dela bonita... Ela fica realmente contente quando vê a gente comer aquilo tudo, repetir... Parece que a maior alegria dela é cozinhar pra gente!...”.
Para chegar à vocação da vovozinha, perguntei: “Para que serve a comida que a gente come?”
- “Para fortalecer o corpo”.
- “Para a comida fortalecer o corpo, como ela deve ser?”
- “Deve ser saudável, limpa, nutritiva...”.
- “Tem de ser bonita?”
- “Não!”.
- “E a comida da sua avó? É saudável, limpa, nutritiva?...”
- “é!”
- “O que ela tem de diferente?”
- “Ela, além de saudável, limpa e nutritiva, é bonita. A gente olha pra comida dela e dá vontade de comer, com a boca e com os olhos. Ela cuida de tudo, até dos pequenos detalhes!”
- “Ela cozinha com amor, não é isso?”
- “É isso mesmo! Agora que o senhor chamou a atenção para isso, noto que a vovó cozinha com tanto amor e cuidado com o que ela faz como noto amor e cuidado na minha mãe quando está dando banho, tirando ou colocando fralda no meu irmãozinho. É igual o cuidado que tenho com umas lembranças que papai me deu num aniversário meu que nunca esqueci!...”
Pois bem: a sua avó acrescenta à comida algo que ela, a comida, não exige para ser saudável, limpa, nutritiva...acrescenta beleza. De onde vem este acréscimo? Ele vem da alma da vovó. Ela não somente consegue perceber a adequada relação entre os nutrientes e o corpo como também, ao realizar esta combinação, procura atender ao sentido que não participa diretamente da alimentação: a visão. O que sua avó faz é uma mistura do que ensina as ciências da Física, Química e Biologia mais coisas da arte, arte ligada à visão.
Imagine que sua avó fosse uma profissional e não, como você diz, uma simples “dona de casa que não faz nada”. Ela seria excelente em ofícios que exigissem talento gastronômico, não é mesmo? Estudando, rapidamente aprenderia a arte de atender às pessoas de gosto mais exigente. Pois é possível crer que na vocação de sua vovozinha estão presentes componentes de tipo científico (que a capacita à arte da cozinha) e artístico (que a capacita a tornar agradável à vista o que em princípio ao paladar e ao olfato).
Perceba então isto: a comida se dirige ao corpo pelos sentidos do olfato e paladar. Se sua avó a torna agradável à vista, é introduz um “algo mais” na comida, que a faz impactar uma quantidade maior de sentidos do que aquele exigidos por questão puramente biológica. Biologicamente falando, a comida só precisa ser nutritiva. Sua avó ultrapassa os limites da Biologia e adentra no da Psicologia. Ou seja, sua avó acrescenta à nutrição o deleite da vista, o que acaba provocando uma melhora na relação entre as pessoas que se sentam à sua mesa. Deve ser possível observar que o humor das pessoas, seus pais, tios, etc., melhora quando estão almoçando a comida de sua avó.
Este “algo mais” que a vovó acrescenta ao que faz resulta de um tipo de eficiência notável que só a vocação é capaz de provocar; e desta novável eficiência resulta a natural autoridade da pessoa, a que todos se rendem de maneira espontânea.
Mas isto será assunto para o próximo artigo, cujo título será “Duas características fundamentais da vocação: eficiência notável e autoridade”.
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